slideshow
telefone

Eu quero ser bombeiro!

O fascínio pelos homens - e mulheres - que salvam vidas e ajudam o próximo está associado à coragem com que enfrentam o perigo das chamas, das cheias ou de outras catástrofes. É esta imagem de herói dos tempos modernos que leva jovens como Daniel, Joana, Ana Alexandra, Pedro e David a estarem dispostos a arriscar a vida para salvar as dos outros. Um dia, eles vão ser bombeiros.

 

Sábado, 21h30. Depois de jantar, Daniel sai de casa para ir ter com amigos. Mas não chega ao café. Assim que soa a sirene dos Bombeiros Voluntários de Baltar, Carlos Daniel Sousa segue rapidamente para o quartel, veste a farda e mete-se num carro a caminho de um incêndio que acaba de deflagrar numa serração em Astromil, a poucos quilómetros dali, também no distrito do Porto. Daniel ainda não é bombeiro, mas quer ser. Tem 18 anos, é estagiário e, «se tudo correr bem e passar nos testes de admissão», no final do ano terminará a formação.

 

Meia hora depois de partir para o incêndio, Daniel está de volta ao quartel da corporação, onde outros oito estagiários recebem de um formador da Escola Nacional de Bombeiros noções teóricas e práticas de técnicas de socorrismo. Hoje Daniel não tem formação e, apesar de não estar de serviço, decide ficar no quartel e assistir às aulas dos colegas. «Já fiz este curso e não me importo de ouvir as mesmas coisas. É da maneira que interiorizo melhor.»

 

No chão, uma boneca de plástico - Ana - simula uma criança de carne e osso em situação de paragem respiratória. Joana Loureiro, 17 anos, inicia o suporte básico de vida, comprimindo o peito da vítima. «Um, dois três...», até 15. Para e faz-lhe respiração boca a boca com uma máscara protetora. E comprime-lhe outra vez o peito.

 

Às técnicas de socorrismo segue-se a demonstração de técnicas de salvamento e desencarceramento, o que requer um cenário diferente, junto a um veículo. Desta vez, simula-se um acidente com uma vítima dentro e outra por baixo do carro. Depois de organizados em duas equipas, os jovens começam o processo de salvamento. Nas mochilas, os equipamentos necessários - material de oxigenoterapia, aspirador de sucções, termómetro, medidor de tensão arterial, medidor de glicemia, soro, compressas, ligaduras, coletes de extração e plano duro para colocar a vítima e transportá-la para a ambulância. Ana Alexandra Barros, 18 anos, dá as ordens - foi nomeada chefe. E o formador não se cansa de repetir: «Cuidado com a cabeça, vejam como colocam as vossas mãos na cervical.» Quando uma das vítimas já se encontra no plano duro, Ana Alexandra ordena: «À minha voz de alto: um, dois, três, alto». E os outros, ao mesmo tempo, levantam o corpo acidentado.

 

A formação destes jovens de 17 e 18 anos termina no fim do ano. Só nessa altura serão bombeiros voluntários «a sério». Começarão pela terceira categoria, a mais baixa da carreira, e poderão ascender a chefe. Até lá, ainda têm muito que aprender. Atuar em incêndios florestais, urbanos e industriais, por exemplo. Embora tenham como denominador comum o fogo, estes contextos exigem desempenhos distintos. «Não combatemos as chamas numa floresta da mesma maneira que numa casa», diz Daniel. «Os perigos são diferentes num ambiente e noutro. Na floresta, se houver vento, o fogo pode virar. Numa casa, temos de ter atenção ao gás, à possível derrocada da estrutura...»

 

A participação em cenários reais de incêndio ainda está vedada aos estagiários, salvo se o comandante ou o chefe de serviço autorizarem. Sem a permissão de um superior, Daniel não poderia ter-se juntado à equipa que combateu o incêndio em Astromil e os outros dois que deflagraram horas depois, durante a madrugada, em Valongo e Aguiar de Sousa. No terreno, por razões de segurança, não vão para a primeira linha de combate. Ficam atrás, junto às viaturas, a «puxar a mangueira». Noites atribuladas como esta - e como as que se viveram na semana passada no Funchal e no concelho de Tavira - ainda não fazem parte da rotina de Daniel. «Esta noite foi assim porque estou de férias. Se estivesse em aulas não me deitaria às cinco da manhã nem teria ido para três incêndios.»

 

Há dois anos, Daniel decidiu seguir os exemplos do pai, do padrinho, do tio e de um primo. São todos bombeiros. O ambiente, as fardas, os carros, o cheiro a fumo, tudo começou a ser-lhe familiar em criança, quando o pai o levava para o quartel. Curiosamente, diz não ter memória de, nessa altura, o pai sair disparado de casa ao toque da sirene. Do que bem se lembra é do fascínio que tinha pelos carros de bombeiros quando os via na estrada, apressados, a caminho de um incêndio: «Os outros carros paravam ou afastavam-se para a berma para os deixarem passar. E eu ficava no passeio a olhá-los até desaparecerem.»

 

Hoje, apetece-lhe largar tudo quando ouve o toque da sirene. Esteja onde estiver, nas aulas ou em casa a estudar, «é um sacrifício não poder ir». Não pode, porque ainda não é bombeiro. E sabe que, com 18 anos, «a prioridade é a escola». Está no 12.º ano e um dia quer ser profissional de turismo. Conciliar a profissão com o voluntariado não será um problema. «Vou conseguir como todos os bombeiros que conheço: com força de vontade. Havendo paixão por isto, e eu tenho muita, acho que é fácil arranjar tempo.» Um bombeiro é solicitado para muitas situações e, embora Daniel esteja «mentalizado para acorrer a todas», não esconde a preferência pelo combate a incêndios florestais. Garante que não lhe mete medo enfrentar o fogo, mas a possibilidade de ficar cercado por ele está sempre presente. «Tremo só de pensar nisso. Não é o fogo, não é apagá-lo, é ele virar com o vento e rodear-me, é disso que tenho medo. Espero que com a experiência consiga manter a cabeça fria para poder escapar em segurança.»

 

O fogo é também o maior receio de Joana Loureiro que, ao contrário de Daniel, sente-se mais talhada para a assistência a doentes do que para o combate a incêndios: «Apesar de nunca ter ido para um incêndio e de ainda não saber como agir num cenário desses, prefiro os primeiros socorros. É a área em que me encaixo melhor. Se calhar é por ser o serviço que mais se aproxima daquilo que quero seguir profissionalmente: ser médica.»

 

Para esta estudante do 11.º ano, o trabalho nos bombeiros será um «complemento ao exercício da medicina». Essa foi, de resto, a motivação que a trouxe aos bombeiros de Baltar. «Tenho um avô bombeiro e não foi por influência dele, porque raramente falava comigo sobre isso. Quando lhe disse que me inscrevi, mostrou-se incrédulo. Agora está orgulhoso e farta-se de contar histórias de quando estava no ativo.»


Joana esteve para se inscrever há mais tempo, mas sozinha «não queria vir». Em janeiro, aproveitou a «boleia» de uns colegas de escola que, tal como ela, querem ser heróis. «No fundo, no fundo, é isso que um bombeiro é: um herói.» É seguramente alguém que sacrifica o seu tempo e arrisca a sua vida para salvar a vida e a propriedade dos outros. «Podia estar a fazer outras coisas, podia estar em casa com a família, a brincar com os filhos ou até a descansar, a ver televisão. Em vez disso, está ao serviço da comunidade. Acho admirável. É isso que estou disposta a fazer. Reconheço que as horas que ocupo na formação são um esforço adicional, mas não me custa, venho com muito gosto, estou a adorar. Não vejo a hora de acabar a formação.»

 

Ana Alexandra chegou há mais tempo do que Joana aos Bombeiros de Baltar. Passado um ano, mantém intacto o entusiasmo que a levou a inscrever-se. Para esta futura fotojornalista, a figura do bombeiro representa, «acima de tudo, coragem». Uma qualidade que lhe lembra o avô, «no quadro de honra» da corporação, e quatro tios, dois em funções e dois na reserva, quando os via a sair porta fora sempre que a sirene dos bombeiros tocava. «Eles largavam tudo e iam a correr. Eu era pequenina, mas recordo-me de estar em almoços de família em casa do meu avô e de repente a mesa ficar vazia.» Nessa altura, talvez não tivesse noção dos perigos que enfrentavam. Hoje tem e, mesmo assim, continua «fascinada». Está de serviço um domingo e duas noites por mês e tem formação aos sábados à noite e domingos de manhã. «Ainda tenho muitas horas de cursos pela frente antes de terminar a formação. O curso de Técnicas de Socorrismo tem a duração de cinquenta e tal horas. Vou terminá-lo no próximo fim de semana A seguir acho que vou fazer o de combate a incêndios florestais.» Ana Alexandra também está ansiosa pelo fim do ano para acabar a formação e ser, «finalmente», bombeira. Para ela, o tempo que passa no quartel é sempre curto: «Sinto-me bem aqui. Todo este ambiente faz-me sentir em casa.»

 

por Carla Amaro Fotografia de Adelino Meireles/Global Imagens